Você é desonesto? Só um pouco, como todo mundo

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O menino chega do colégio com uma anotação do professor. “Seu filho roubou uma caneta de um colega”. O pai fica furioso e, para servir de lição, põe o filho de castigo. Por fim, contemporiza: “Se você precisava de uma caneta, por que não me disse? Você sabe que eu trago quantas canetas quiser do trabalho”.
Você, como o pai desta história e todo mundo, gosta de pensar em si mesmo como uma pessoa honesta. Mas pessoas honestas também cometem pequenas desonestidades. É o sanduíche que alguém deixou na geladeira do trabalho e descobriu que outra pessoa comeu. Os fones de ouvido que você esqueceu em cima da mesa e na manhã seguinte descobriu que não estão mais lá. Exemplos não faltam.
Qual a margem de manobra que permite que alguém roube no trabalho, mas não se sinta desonesto a ponto de achar que pode dar lições de moral? Dan Ariely, professor da Universidade de Duke e mais dois pesquisadores, Nina Mazar (Universidade de Toronto) e On Amir (Universidade de San Diego), realizaram uma série de testes tentando entender os mecanismos em ação.
A desonestidade tem um peso importante – e negativo – na economia. O wardrobing, nome dado à prática de clientes que compram uma roupa cara, usam numa festa, por exemplo, e depois devolvem, causa prejuízo de mais de 5 bilhões de dólares anuais à indústria da moda nos Estados Unidos.
No Brasil, temos o problema da corrupção dos governos e das empresas, com os escândalos todos dos últimos anos. E furtos e fraudes cometidos por funcionários causam um prejuízo de R$ 2 bilhões por ano ao comércio no país, segundo o Instituto Provar/FIA, da USP.
Parte destes deslizes é explicada pela teoria das janelas quebradas. Foi um experimento realizado em 1982 por dois criminologistas. James Wilson e George Kelling, da Universidade de Stanford, abandonaram carros nas ruas de Nova York para mostrar que quando eram deixados vandalizados, atraíam mais vandalismo, não importava se em um bairro nobre ou mais modesto. Um comportamento antissocial, se não punido, pode levar a vários outros.
Mas tanto a corrupção como as pequenas desonestidades, sugere o estudo de Ariely, Mazar e Amir, publicado no aclamado Journal of Marketing Research em 2008, estariam ligadas também a uma margem de manobra que todos estabelecemos para racionalizar nossos atos. Como consequência, as pessoas podem trapacear sem se sentir mal.
Os pesquisadores aplicaram o primeiro teste a um grupo de 229 estudantes. A tarefa era encontrar, numa série de números, dois cuja soma fosse 10. Cada acerto pagava 50 centavos de shekel, a moeda israelense (equivalente a R$1), em dinheiro. Mas enquanto metade do grupo tinha de submeter a um fiscal, que contabilizava as respostas certas, outro apenas podia contá-las sozinho, informar quantas foram e ficar com o dinheiro. Para os candidatos fiscalizados, a média foi de quatro acertos. Mas entre aqueles que podiam informar quantos números acertaram foi de seis.
O resultado mostra, segundo os autores do estudo, que as pessoas trapaceiam mais quando percebem a chance de ganhar algo sem serem pegas ou punidas. Mas será que aumentar a recompensa aumenta a desonestidade?
Os pesquisadores então reuniram outros 44 voluntários, aplicando o mesmo teste com a promessa de pagar 0,25 por questão para alguns e 0,50, 1, 2, 5 ou 10 para os demais. Todos resolveram os enigmas, mas, preenchida a prova, metade do grupo tinha a chance de colar e mudar as respostas erradas sem que os fiscais vissem. Será que com mais dinheiro a desonestidade iria aumentar? Na verdade, honestos e desonestos acertaram as mesmas quatro questões, não importava o valor pago.
Com uma pequena quantia, sugere o estudo, é mais fácil cometer uma desonestidade e ainda se sentir honesto. Mas existe um limite e se apoderar de um valor maior interfere nessa percepção. Com R$ 10 em vez de R$ 0,60, já é mais difícil manter a integridade.
Faltava, porém, saber se o medo de ser pego torna as pessoas menos desonestas. Para isso, os pesquisadores aplicaram um terceiro teste a 108 participantes, praticamente igual aos dois primeiros, exceto que a pessoa encarregada de vigiar o experimento era cega. Mesmo assim os desonestos acertaram apenas uma questão a mais.
Ao comentar o experimento em seu livro “A mais pura verdade sobre a desonestidade”, Dan Ariely diz que pequenas transgressões revelam um conflito eterno dentro de todos. De um lado, queremos ser honestos e ter orgulho de nós mesmos diante do espelho. Do outro, queremos ganhar o máximo possível, mesmo ao custo de alguns deslizes.
Não quer dizer que é para você sair trapaceando por aí. Só que as forças por trás da desonestidade são muito mais complexas (e interessantes) do que parecem…