Rompimento de barragem em Brumadinho completa uma semana com mortes, buscas e dúvidas

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*Vista do Rio Paraopeba, em São Joaquim de Bicas (MG), atingido pela lama após rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho (MG) (Christyam de Lima/Futura Press)

“Eu já me dava como morto”. Marco Antonio Ribeiro da Silva, técnico em manutenção da mineradora Vale, correu pela própria vida para escapar do mar de lama que varria o que quer que aparecesse pela frente: casas, veículos, pessoas, animais e estruturas da empresa responsável pela barragem de rejeitos de mineração que rompeu em Brumadinho (MG) no dia 25 de janeiro.

A tragédia completa uma semana nesta sexta-feira (1) e contabiliza 99 mortos e 259 desaparecidos, ilustrada pelas histórias de horror de quem escapou do tsunami de resíduos de mineração e água, somadas à agonia de parentes abalados pela perda ou aflitos pela identificação de novos corpos.

“Primeiro eu vi água. E depois vi aquela montanha de dois andares e meio de altura desabando sobre nós”, contou Silva à Reuters; ele foi um dos poucos funcionários da Vale que escaparam dos arredores de um refeitório da empresa, que estava lotado quando a barragem estourou na hora do almoço; o local foi completamente arrasado pela onda de lama.

Separada de Mariana (MG) por 162 km, Brumadinho repete outra tragédia envolvendo barragens de mineração no estado, apenas três anos depois do desastre que ocorreu no distrito de Bento Rodrigues e deixou 19 mortos em novembro de 2015.

Entre os sobreviventes de Brumadinho há um consenso: ninguém se recorda de ter ouvido um alarme que alertasse para o rompimento da barragem. A enxurrada também levou embora casas e pousadas, vitimando também moradores da região e turistas, além dos funcionário da própria Vale.

O rompimento foi na região do córrego do Feijão, na altura do km 50 da rodovia MG-040, na cidade localizada na região metropolitana de Belo Horizonte e conhecida por abrigar o Inhotim, museu a céu aberto e destino internacional de arte contemporânea.

Passada uma semana do desastre, a lama domina o cenário local; em alguns pontos, ela se acumula a 10 metros de profundidade. Os corpos e destroços estão espalhados por uma extensão de 9 km, entre a barragem rompida e o rio Paraopeba.

A rotina do resgate

Os trabalhos de resgate começam diariamente, por volta das 4h, e vão até a noite. Com a dificuldade em realizar buscas na densidade dos rejeitos, bombeiros experientes e voluntários utilizam a ajuda de cães farejadores, além de equipamentos que auxiliem a localizar mais vítimas. Muitos se guiam pelo cheiro dos corpos em decomposição para resgatá-los.

As vítimas fatais são retiradas do local de helicóptero e levadas ao Instituto Médico Legal (IML). Passados os primeiros dias, as autoridades montaram uma verdadeira força-tarefa para recolher DNA de familiares e realizar exames em arcadas dentárias que ajudem a identificar os corpos.

“Em primeiro lugar, é bem impactante. Pela força da lama, muitas vezes não é possível encontrar o corpo íntegro. Muitas vezes, são localizados segmentos de corpos”, disse o porta-voz do Corpo de Bombeiros de MG, tenente Pedro Aihara, na noite da última quarta (30).

Os bombeiros tiveram o auxílio de 130 militares israelenses que ficaram no Brasil entre domingo e quinta-feira. Eles trouxeram tecnologias, como um detector de corpos, que ajudaram a identificar desaparecidos mesmo soterrados pela lama.

Novos riscos

Os moradores da região que se assustaram na sexta (25) sequer tiveram tempo de se recuperar: no domingo (27), uma nova sirene disparou na madrugada alertando que deixassem suas residências. Havia o risco de rompimento de uma segunda barragem. No entanto, horas depois, outro desastre foi descartado e eles puderam retornar às respectivas casas.

A barragem 1, que se rompeu, é uma estrutura de porte médio para a contenção de rejeitos e estava desativada. Seu risco era avaliado como baixo em levantamento feito pela Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2017. O mesmo relatório fiscalizou 780 de 24.092 barragens existentes no país — o número é equivalente a apenas 3% do total de barragens.

O documento também diz que “não há nenhum ato de autorização, outorga ou licenciamento em 42% das barragens, e em 76% dos casos não está definido se a barragem é ou não submetida à PNSB (Pesquisa Nacional de Saneamento Básico) por falta de informação.”

Prisões

Cinco funcionários ligados à Vale foram presos na manhã de terça-feira (29) acusados de terem atestado a segurança da barragem que se rompeu em Brumadinho. Dois deles são engenheiros da empresa alemã TÜV SÜD, prestadora de serviços da mineradora, e foram identificados como Makoto Namba e André Yassuda.

Outros três trabalham para a própria Vale em MG. São eles: César Augusto Paulino Grandshamp, Ricardo Oliveira, e Rodrigo Arthur Gomes de Melo.

Por meio de nota, a mineradora disse estar “colaborando plenamente com as autoridades”. “A Vale permanecerá contribuindo com as investigações para a apuração dos fatos, juntamente com o apoio incondicional às famílias atingidas”, diz o texto.

A Polícia Federal também investiga se documentos que atestavam a segurança da barragem foram fraudados.

Cobranças

Pressionada, a Vale anunciou que pagará uma indenização de R$ 100 mil às famílias de vítimas da tragédia; o valor será distribuído por pessoa desaparecida ou morta no incidente.

O cadastro de pessoas teve início na quinta (31) priorizando os responsáveis legais por filhos menores de idade, seguidos de cônjuges ou companheiros em regime de união estável, descendentes e, por último, ascendentes.

No entanto, a empresa pode ter que arcar com uma multa de valor baixo pelo corrido. Uma decisão do Congresso Nacional barrou o aumento das multas aplicadas pela ANM às mineradoras no país. Com isso, o valor máximo das sanções, que seria de R$ 30 milhões, se manteve em R$ 3,2 mil.

Os números da tragédia podem tornar o ocorrido o maior acidente de trabalho da história do país, levando em consideração a quantidade de funcionários da Vale mortos. O maior acidente de trabalho até este ano foi a queda do Pavilhão de Exposições da Gameleira, também em Minas Gerais, que matou 65 funcionários da empresa Sergen, em 1971.

(Com informações da Reuters e da Folhapress)