Cinema, música e política

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Se Erasmo Carlos criou a tal fama de mau, que serviria como inspiração para o título de sua autobiografia, lançada em 2009, foi também pelo fato de quase nunca se lamentar. Algo que não mudaria agora. Com mais de 50 anos de carreira e 76 de vida, ele explica como encara a passagem do tempo. “Cara, acho que (encaro) na maior naturalidade. É uma merda, mas que tem que ser vivida. A gente tem que colorir e perfumar para fingir que é linda e maravilhosa, e aproveitar ao máximo”, ensina.

Em 1964, Erasmo Carlos gravou o primeiro compacto, que trazia, no lado A, “Minha Fama de Mau” (com Roberto Carlos), e, no B, a música “Amor Doente”. Decorridas cinco décadas, o Tremendão chega ao 31º álbum de sua carreira satisfeito com as próprias escolhas.

“Graças a Deus, ao longo desses anos, eu mudei demais. Feliz do cara que muda, reflete para se reformular. Aprender com o novo é muito importante. Se sua meta for se tornar um ser humano melhor, é fundamental se reciclar. Aí você tem que estar aberto para o que vier e se entregar mesmo”, assegura.

Não por acaso, em “Acareação Existencial”, uma das faixas do novo disco, o compositor discute as perspectivas da existência. “Vem, vida minha/ Mostra-me teu caminho para que eu te siga/ (…) Generosa e infinita/ Que só por suposição/ Alguém apelidou de morte/ Tua continuação”, afirma nos versos.

A prometida parceria com Milton Nascimento, que também integraria o lançamento, acabou não acontecendo, porque o músico não enviou uma canção a tempo. Mas Erasmo não se sente desprestigiado. “Tudo bem, com o Milton não tem grilo nenhum. Pode ser que uma hora ainda acabe rolando”, acredita. E aproveita para revelar um outro desejo. “Jamais vai acontecer, mas tinha vontade de fazer uma parceria com o João Gilberto”, confessa. Apesar disso, a realidade está cheia de realizações para Erasmo. Uma prova é a presença no filme “Paraíso Perdido”, que teve pré-estreia no Rio na semana passada. 

No longa, o cantor volta a atuar na telona depois de 34 anos. Fã declarado de Charlie Chaplin e Walt Disney, Erasmo havia atuado pela última vez, ate então, em “O Cavalinho Azul” (1984). Antes, ele integrou os elencos de “Os Machões” (1972), “Minha Sogra É da Polícia” (1958) e outros. “A (diretora) Monique Gardenberg me fez assistir ao filme ‘O Leopardo’ (de Luchino Visconti), com o (ator) Burt Lancaster. Ela encomendou a peruca e inventou o visual do meu personagem”, informa o cantor. Na pele de José, o músico interpreta o pai de uma família nada convencional. “Ele luta pela felicidade de todos, e eu também sou assim”.

Política. Com um marca-passo no coração desde abril, o artista se diz “mais elétrico do que nunca”, e não poupa críticas à política atual. “Cara, eu fico arrepiado de ver as notícias, é uma sucessão de desastres, causados por pessoas incapazes e egoístas; são ladrões que têm diploma. Também não surge uma nova geração, ou ela não se manifesta”, critica.

 

Irregular, disco volta a questões recorrentes

Inquieto, Erasmo Carlos passou a renovar seu repertório a partir dos anos 2000, na mão contrária ao do parceiro mais famoso, o Rei Roberto Carlos, que segue repetindo o óbvio. Irregular, a nova safra, presente em “Amor É Isso”, traz momentos inspirados. É o caso da dançante “Novo Sentido”, feita com Samuel Rosa, e das líricas e reflexivas “Acareação Existencial” e “Pagar Pra Viver”, assinadas somente pelo anfitrião. 

“Sol da Barra”, de Marcelo Camelo, também se destaca. “Convite Para Nascer de Novo” e “Termos e Condições” são tentativas menos felizes. Os temas são recorrentes: o amor e sua redenção. Mas Erasmo já está consagrado. Os clássicos de sua discografia vão permanecer.