Cidade sufocada: pelo menos 24 comunidades têm tiroteios frequentes no RJ

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De: O Globo

Algumas disputas no Rio de Janeiro envolvem traficantes e milicianos

*Comunidade da Rocinha, em São Conrado, na Zona Sul do Rio – Brenno Carvalho / Agência O Globo

RIO – A disputa violenta entre facções criminosas que apavorou os moradores do Leme é um problema que se espalha cada vez mais pelo Rio. Levantamento feito pelo GLOBO, com base em fontes policiais e em casos noticiados na imprensa, mostra pelo menos 24 comunidades da cidade estão enfrentando disputas entre grupos armados, seja de traficantes ou de traficantes e milicianos.
Na Rocinha, a guerra começou em setembro do ano passado, quando o bando de Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, rompeu com a quadrilha do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, que desde então tenta retomar os territórios perdidos. Com o argumento de evitar o recrudescimento da guerra de facções, os batalhões do Comando de Operações Especiais da PM fazem incursões constantes na Rocinha, contribuindo também para aumentar a frequência de confrontos na comunidade.
Já na região da Praça Seca, em Jacarepaguá, as comunidade Bateau Mouche, São José Operário e Chacrinha estão reféns de uma guerra entre milicianos e traficantes. Depois de um racha no grupo paramilitar, no fim do ano passado, o bando do miliciano Hélio Albino Filho, o Lica, passou a se aliar à maior facção do tráfico que atua no Rio, com o objetivo de tentar retomar as favelas perdidas para inimigos. A disputa na região se acirrou esse ano, e, em março, chamaram a atenção imagens flagradas pela Rede Globo de homens armados e encapuzados fugindo da Bateau Mouche para o Morro da Chacrinha.
LINHA AMARELA FECHA
Também na Zona Oeste, milicianos da Gardênia Azul frequentemente entram em confronto com traficantes da vizinha Cidade de Deus. A guerra muitas vezes se irradia para o entorno, como a Linha Amarela, que já fechou muitas vezes por causa dos tiroteios.
Outro confronto recente foi entre as facções que ocupam os morros de São Carlos, no Estácio, e Coroa e Fogueteiro, em Santa Teresa. Bandidos do Fallet têm tentando incursões para tomar o Morro da Coroa, dominado pelo mesmo grupo do São Carlos. Em 7 de maio, por exemplo, uma tentativa de invasão à Coroa causou um intenso tiroteio que assustou moradores da comunidade e do São Carlos.
BAIRROS CONCENTRAM TIROS
Alguns desses locais aparecem entre os dez bairros mais conflagrados da cidade, em levantamento do aplicativo Fogo Cruzado. A lista, feita com base em registros disparos e de trocas de tiros, inclui as ocorrências de janeiro a maio. Encabeça a lista justamente a Praça Seca, com 169 casos. Em segundo lugar, vem a Cidade de Deus (144), seguida por Vila Kennedy (103), Rocinha (101), Complexo do Alemão (91), Tijuca (75), Realengo (66), Bangu (59), Pavuna (55) e Santa Cruz (47).
Esses locais concentram 39% dos 2.300 tiroteios registrados em toda a cidade do Rio no período, 63% a mais que os 1.409 dos mesmos meses de 2017.
O levantamento mostra que houve um deslocamento dos locais com mais tiroteios da Zona Norte para a Zona Oeste. Até maio do ano passado, sete dos dez bairros que registram maior incidência de tiroteios ficavam na Zona Norte: Complexo do Alemão (87), Maré (60), Penha (53), Tijuca (53), Manguinhos (47), Mangueira (46) e Acari (34). Apenas Cidade de Deus (70) e Vila Kennedy (36) faziam parte da Zona Oeste. Na lista também estava Copacabana (46). Em 2018, seis bairros são da Zona Oeste e só três da Zona Norte.
Para a socióloga Maria Isabel Couto, uma das responsáveis pelo levantamento do Fogo Cruzado, o abandono da Zona Oeste pode ter permitido o fortalecimento dos grupos armados, que aumentaram a disputa pelo domínio de territórios na região:
— É difícil cravar o porquê da mudança. Mas uma das interpretações possíveis é o abandono por parte do poder público, que permite aos criminosos disputar territórios. A gente sabe que a Zona Oeste é uma região que foi particularmente marcada pelo surgimento e pelo avanço das milícias. Isso pode ter a ver com a disputa desses espaços entre milicianos e traficantes.
Para a socióloga, também fica claro que praticamente todos os bairros do Rio registram algum episódio de confronto a tiros, mas alguns deles têm se tornado recorrentes nos balanços mensais das áreas com mais ocorrências. A Cidade de Deus, por exemplo, aparece entre os dez primeiros lugares no balanço do Fogo Cruzado em todos os meses do ano. A região da Praça Seca só ficou fora da lista em janeiro.
— Em alguns lugares os confrontos se repetem quase que diariamente. Se pegarmos a Praça Seca, por exemplo, temos uma média de mais de um por dia — afirma ela. — Dos cinco primeiros colocados, de janeiro a maio, quatro são áreas com UPPs, demonstrando fragilidade ou abandono do dessa política de segurança.